Dia 1. Porquê a via druídica?

A primeira das questões propostas pelo desafio dos 30 dias druídicos é provavelmente a mais significativa. Antes de se explicar como se pratica a druidaria, importa saber porquê praticar esta via e não outra qualquer. E aqui o “porquê” encerra também um “para quê”: qual a finalidade de se investir o nosso tempo, as nossas decisões, e portanto a própria vida, num determinado caminho cujos frutos tardam necessariamente a chegar. 

Muita da discussão em torno da druidaria ou do druidismo, sem grande espanto, parece girar em torno do conceito de “tradição”. O que resulta algo irónico para uma prática inspirada num grupo de pessoas da antiguidade sobre as quais pouco ou nada se sabe, e que só há 300 anos começou lentamente a tomar a forma que hoje se lhe conhece. No entanto, continuamos a focar-nos no passado remoto como se de uma idade de ouro se tratasse, onde os humanos e os restantes seres viviam em perfeita harmonia e as sociedades eram inteiramente igualitárias… Ao contrário de tudo o que veio a seguir a Constantino. Não que exista algo de errado no druidismo reconstrucionista: se alguém sentir atracção por uma prática politeísta inspirada ao pormenor nas religiões pré-cristãs da Europa, pois que assim seja. Mas não é essa a minha motivação pessoal.

Interessa-me sobretudo descobrir as muitas formas como a Natureza, sempre plural, sempre múltipla, sempre indomável, consegue comunicar-se e exprimir-se, fazendo da realidade um diálogo entre muitas partes em que estamos inevitavelmente mergulhados. Se o caminho da druidaria é o da escuta da Natureza, então é também, e por inerência, a via da atenção ao real. Das muitas definições que se possa dar do que é, de facto, a realidade, gosto particularmente da seguinte: é real tudo aquilo que existe independentemente da nossa crença. Pelo que qualquer prática telúrica deve ser acima de tudo humilde e transformadora no sentido mais radical do termo, isto é, junto das nossas raízes. Capaz de nos desinstalar e transplantar onde menos esperamos.

Essa mesma realidade, essa Natureza que é tudo o que há em nós, tem estado em constante mudança desde que o tempo existe; mas a sua essência, aquela que precede e provoca o próprio tempo, é a do estar em relação. A Natureza interpela-nos em tudo o que nos oferta vida e morte, alimento e dor. A minha prática baseia-se na vocação de ser quem efectivamente sou, com sentimentos elevados e paixões primais, medos, sombras, inclinações várias para a criação ou para a destruição. Se a via do não-dualismo nos indica que o bem e o mal são tão mais relativos quanto mais numerosos forem os sujeitos e as suas perspectivas e necessidades, ela também informa que não existe desejo demasiado mundano que não possa servir de prática dita “espiritual”. Sem mais artefactos.

E essa Natureza que tanto nos obriga à verdade é invicta. Continua a revelar-se ainda hoje, séculos depois da idade dos mitos. Revela-se e revela-nos à nossa própria consciência.

As pessoas que terão desempenhado o papel de druidas nas sociedades celtas, tal como as classes sacerdotais, mágicas e/ou académicas de outras civilizações pré-cristãs, eram guardiãs do sentido da existência dos seus povos, bem como do sentido da sua relação com outros povos e com tudo o que existia em seu redor. Estavam ao serviço. Eram intérpretes do mundo. Cuidadoras. Digo amiúde que a druidaria é ou está para ser uma prática de reabilitação de laços. Não há druidas em verdadeira solidão, mesmo que fisicamente distantes de uma qualquer ordem ou assembleia, pois que todas as suas acções emergem e modificam a mesma realidade que os convoca à prática espiritual. 

Em última análise, é-me indiferente o nome que cada pessoa decide atribuir a esta postura essencial perante a vida — embora nos seja proveitoso, como seres encarnados e profundamente mundanos, dar nomes às coisas, assumir os limites das identidades, viver a fantasia que é a vida mítica. Druidismo, druidaria ou outra tradição qualquer; religião, filosofia, cultura, prática: eu sou druida porque a mim me importa a empatia. Importa-me participar na Canção do Mundo.