O que celebrar no Imbolc?

Imbolc, Imbolg (com o B mudo) ou Oímelc é o nome da festa que tradicionalmente marcava o fim do inverno e abria a estação da primavera nos territórios gaélicos — Irlanda, Escócia e Ilha de Man. É uma das quatro festividades sazonais elencadas no mito da “Corte a Emer”.

Este momento era crucial em regiões onde predominava a economia pastoril, pois marcava o nascimento de novos cordeiros e o período em que as ovelhas estavam lactantes.

Os produtos lácteos e a carne eram essenciais para sustentar as pessoas durante o restante da estação fria. Há autores que especulam uma ligação entre esta realidade e a etimologia do termo “Imbolc”, mas na verdade, faz muito tempo que esta se perdeu.

Não temos registos explícitos de rituais ou costumes pré-cristãos, à excepção de um relato anglo-saxão: Bede mencionou que fevereiro era conhecido como “Solmonath”, o mês em que se ofertavam bolos às divindades.

Tempo de purificação

Já após a cristianização, os povos de línguas gaélicas começaram a dedicar o dia 1 de fevereiro, em irlandês “Lá Fhéile Bríde”, a Sta. Brígida de Kildare.

No dia 2 de fevereiro, decorre a festividade católica que lembra a apresentação do menino Jesus no Templo e a purificação de Maria, que segundo a lei judaica, teria de acontecer 40 dias após o nascimento da criança. Para os irlandeses, “Dia de Maria das Velas” (“Lá Fhéile Muire na gCoinneal”), e entre nós, da Senhora da Candelária.

Nesta data, dá-se a chamada bênção das velas, que depois da missa se levam para casa para serem acesas em momentos de aflição, oferecendo proteção física e espiritual.

Estes costumes alinham-se com as tradições que já na antiga Roma marcavam este mês. Aliás, o nome de Fevereiro deriva do termo latino “Februa”, que denota purificação por via do sacrifício e foi o primeiro nome da festa da Lupercália.

Brígida de Kildare

Sta. Brígida terá sido uma religiosa irlandesa que viveu no século VI. Diz-se que fundou um mosteiro em Kildare, em Leinster, província de que ainda hoje é padroeira.

A sua importância na Igreja irlandesa pré-romanizada foi significativa, gerindo diversos mosteiros em toda a ilha antes da atual organização episcopal com bispos, paróquias e párocos.

As hagiografias que foram preservadas desde o século VII afirmam que Brígida nasceu de um líder tribal e de uma escrava, e que foi criada por um druida. Brígida destacava-se pelos seus múltiplos talentos, desde o fabrico de pão ao preparo de cerveja, à lida do gado e, claro, à produção de milagres — como ser capaz de por a sua capa a secar pendurada num raio de sol.

A Deusa Brigid

Já no século IX, o “Glossário de Cormac” conta que Brigid era filha do deus Dagda, uma mulher sábia e uma poetisa.

Era, aliás, “a deusa a quem os poetas amavam”. Como aconteceu a tantas outras divindades celtas, Cormac atribuiu-lhe uma identidade tríplice: Brigid eram três irmãs com os atributos da poesia, metalurgia e cura, as habilidades fundacionais para a sociedade irlandesa medieval.

O mesmo autor traduz o nome de Brigid como “breo-aigit”, ou “flecha brilhante”.

Brigid aparece também no “Livro das Invasões da Irlanda”, do século XI, e no mito da “Segunda Batalha de Moytura”, onde se diz que casou com Bres, um Fomoriano. Brigid perdeu o filho Ruadán na batalha, e com a dor do luto deu origem à arte das choradeiras, o chamado “keening”.

Uma ou várias Brígidas?

Muito se especula sobre a ligação entre a deusa e a santa — será Brígida de Kildare uma figura real ou uma cristianização da antiga divindade?

No século XII, Geraldo de Gales afirmou que em Kildare havia um santuário em honra a Brigid. Ali mantinha-se um fogo perpétuo, pela mão de dezanove religiosas, que se revezavam noite após noite em turnos rotativos, e pela própria Brigid a cada vigésima noite.

O folclore diz que que Brígida foi trazida da Irlanda para a Palestina para servir de “mãe de criação” de Jesus. Ainda hoje a chamam de “Mary of the Gaels”, a “Maria dos povos gaélicos”.

Desde 2023 que se celebra um feriado em sua honra na primeira segunda-feira de fevereiro, na Irlanda.

A associação entre Brigid e o poder da cura levou à proliferação de vários poços sagrados por toda a Irlanda e até em Glastonbury, na Inglaterra. Ainda hoje muitos peregrinos trazem “clooties”, pequenos farrapos ou fitas que se usam em partes adoentadas do corpo e depois se atam aos ramos das árvores junto do poço.

Por altura do século XVIII, já se tinha estabelecido a tradição das “cruzes de Brigid” feitas de juncos ou de palha. Estas eram penduradas nas portas, janelas ou vigas do telhado para dar as boas-vindas a Brigid e atrair bênçãos para o lar e para o seu gado.

Acreditava-se que Sta. Brígida visitava os fiéis para os abençoar na véspera da sua festa. Alguns populares guardavam um pouco de pão ou manteiga para deixar na soleira da janela, como uma prenda para a santa.

Uma tradição de véspera de Lá Fhéile Bríde que perdura em algumas casas irlandesas é a da Cama de Brígida. As meninas e jovens solteiras fazem uma boneca de palha ou de espiga de milho para representar Brígida, a chamada Brídeog (“pequena Brígida”), adornando-a com fitas, conchas ou pedras, e fazem uma cama para ela se deitar.

Antes de ir dormir, cada membro da família deixa uma peça de roupa ou um pedaço de pano fora de casa para ser abençoado por Brígida. Estas peças serão depois vestidas quando a família precisar de cura e proteção.

Por fim, apaga-se o fogo da lareira e aplanam-se as cinzas. De manhã, a família procura nas cinzas um sinal de que Brígida passou por ali durante a noite.

No dia de Sta. Brígida, as moças levam a Brídeog pela aldeia, de casa em casa, onde esta é recebida com alegria — e por vezes com oferendas de comida e dinheiro.

Noutras paragens

Noutros territórios do contínuo cultural celta, a toponímia e os vestígios arqueológicos dão testemunho de uma divindade de nome Brigantia, que a “interpretatio romana” equiparava a Minerva e à deusa Fortuna.

O seu nome partilha a mesma etimologia do da Brigid gaélica. Porém, a raíz proto-indo-europeia pode ser traduzida como “A Exaltada”, “A Mais Alta”, o que sugere que este se trata mais de um título que de um nome próprio.

Pensa-se que o nome de Brigantia estará por detrás dos nomes de várias cidades europeias, incluindo Bragança, em Portugal, mas também as antigas A Coruña e Betanzos na Galiza — onde a chamada Torre de Hércules poderá ser a mesma que a Torre de Breogán do “Livro das Invasões”, de onde Ith avistou a Irlanda pela primeira vez…

Para reflectir

  • Depois do não-tempo do inverno, sentes-te a postos para despertar?

  • Que desejos e paixões se renovam com o regresso da luz?

  • Sentes esperança em relação àquilo que te espera fora do ninho?

  • Que limpezas tens a fazer nesta primavera, por dentro e por fora?

  • Que feridas ainda precisam de ser cuidadas?

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