O que celebrar no Lughnasadh?

Diz-nos o conto medieval irlandês “Tochmarc Emire”, “A Corte de Emer”, que esta antiga festividade gaélica, que marca o início das colheitas e o começo do outono, tem dois nomes tradicionais: Lughnasadh e Brón Trogain.

Em irlandês moderno, Lúnasa é também o nome usado para designar todo o mês de Agosto.

O termo Brón Trogain chega até nós envolto em algum mistério. Mas sabemos que “Brón” significa “Lamento”, e o próprio “Tochmarc Emire” afirma que “Trogain” é um sinónimo de “Terra” — será este então o Lamento da Terra?

Já Lughnasadh é a “assembleia” ou “festival” de Lugh, e refere-se originalmente às celebrações em memória da sua mãe adoptiva, Tailtiu, que segundo o “Livro das Invasões da Irlanda” terá morrido de exaustão após aplanar os campos irlandeses para uso agrícola.

Este tipo de celebrações fúnebres, o chamado “Óenach” ou “Aonach”, eram eventos convocados após a morte de regentes e outras figuras notáveis. Eram uma ocasião para declarar tréguas, aprovar leis e entreter a população com feiras e competições desportivas.

Os jogos que a mitologia atribui a Lugh, “Óenach Tailteann”, terão decorrido na cidade de Teltown (a que Tailtiu terá dado o nome) até pelo menos ao século XVIII.

A folclorista Maire MacNeill compilou no seu famoso livro “The Festival of Lughnasa” vários relatos de festividades realizadas em Agosto em diferentes pontos da Irlanda, e especulou se estas teriam todas um tema em comum — o que autores como Ronald Hutton acham discutível.

Mas os relatos individuais mencionam costumes tais como oferendas dos primeiros frutos da terra, sacrifícios de touros, celebrações matrimoniais, jogos e outros entretenimentos, sobretudo em montes e colinas.

Para os anglo-saxões, o inicio de Agosto era marcado pelo Lammas, uma festividade de cariz mais cristianizado. “Lammas” deriva do inglês antigo “hlafmasse”, em inglês moderno “loaf-mass” — a Missa do Pão, feito com os primeiros grãos da colheita para ser abençoado na igreja. É também um período associado a feiras populares, celebrações de acordos comerciais e promulgação de leis.

No País de Gales, celebra-se o Gwyl Awst. Entre outros costumes, há quem peregrine até Llyn y Fan Fach para tentar ver a Senhora do Lago — antepassada mítica dos chamados Médicos de Myddfai.

A Natureza marca os ritmos de qualquer sociedade minimamente dependente da agricultura. Não será por isso difícil encontrar paralelos entre estas festividades e as romarias, festas e feiras que preenchem o mês de Agosto até hoje em Portugal e não só — particularmente em torno do dia da Assunção de Maria.

É uma época naturalmente propícia para as férias, para colher os esforços do nosso trabalho e, mesmo que só por um momento, aproveitar os pequenos e grandes prazeres da vida.

Que o descanso seja também protesto pelo sacrifício de Tailtiu, o “lamento da Terra”.

Numa altura em que a extorsão dos recursos do planeta, a opressão das classes trabalhadoras, o abuso religioso institucionalizado e demais ofensas ao corpo são ora ignorados, ora celebrados pela anti-cultura dominante, que seja o corpo da Terra o foco dos nossos ciclos.

Enquanto isso, a Terra arde e a lança de Lugh dispara nos céus. Estes dias, a ira de Balor parece mais inclemente do que nunca.

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