O que celebrar no Samhain?

O que é o Samhain?

Samhain, pronunciado como “sáu-ên”, é a festividade que marca o início do inverno na Irlanda, na Escócia e na Ilha de Man, atestada pelo menos desde a Idade Média.

No País de Gales, esta data dá pelo nome de Calan Gaeaf, “o primeiro dia do inverno”, e a véspera, Nos Galan Gaeaf — uma Ysbrydnos, uma das noites do ano em que os espíritos andam à solta pelo mundo.

Era o período em que o gado tinha sido recolhido das pastagens de verão e a época fria se iniciava tanto para os animais como para os humanos. Já se tinham feito as colheitas e dava-se por terminada a época do comércio e da guerra.

Tal como outras festividades, pagãs ou não, as celebrações de Samhain servem de cenário para vários eventos da mitologia gaélica.

Na mitologia irlandesa

Diz-se no “Echtra Cormaic” que a grande assembleia de Tara acontecia no Samhain, a cada sete anos.

O “Serglige Con Culaind” afirma que a Feis de Ulster durava uma semana, desde o terceiro dia antes de Samhain até ao terceiro dia depois de Samhain.

Segundo o “Lebor Gabála Érenn”, a cada Samhain a tribo de Nemed tinha que ofertar dois terços das suas crianças, dos seus cereais e do seu leite aos Fomorianos, as entidades caóticas e destrutivas derrotadas pelos Tuatha Dé.

A invasão de Ulster contada no “Táin Bó Cúailnge” começa no Samhain, e a data é um elemento-surpresa do ataque.

Os eventos do “Cath Maige Tuired” também começam nesta altura. Diz-se que A Morrígan e O Dagda terão tido um encontro sexual antes da batalha contra os Fomorianos, o que garante a vitória dos Tuatha Dé Danann.

O Ano Novo Celta?

No final do século XIX, baseando-se no folclore moderno, tanto John Rhys como James Frazer (autor de O Ramo de Ouro) afirmaram pela primeira vez que Samhain marcava a virada do ano para “os antigos celtas”.

Dáithí Ó hÓgáin diz-nos que para os irlandeses antigos os dias começavam ao por do sol, pelo que se poderia especular que também o ano começaria com uma estação escura.

Aliás, o “Tochmarc Emire” lista o Samhain em primeiro lugar entre as quatro grandes festas do ano irlandês.

Porém, não sabemos qual o cariz das celebrações religiosas desta data na Antiguidade, nem conseguimos provar a existência de festas equivalentes em todo o contínuo cultural celta.

O Dia de Todos os Santos

Por analogia com o 1.° de maio, a mitologia e o folclore vêem o Samhain como uma época liminar, em que se intensifica a presença das forças do Outro Mundo.

Porém, as práticas específicas de veneração dos mortos nesta data parecem ter surgido já sob influência cristã.

Desde o século IV que os católicos tinham celebrações em honra dos seus santos mártires. A Igreja de Roma celebrava-os em maio — e os católicos irlandeses em abril!

O papa Gregório III viria a firmar a data atual do dia de Todos os Santos no dia 1 de novembro. Criou-se mais tarde uma celebração em honra de todos os fiéis defuntos, no dia 2.

Esta tornou-se particularmente relevante na Idade Média, quando as doutrinas do Inferno e do Purgatório se consolidaram.

Entre Mundos…

Nas Hébrides propiciavam-se os poderes do mar, com ofertas de whiskey, padre-nossos e orações “ao deus do mar”.

No sul da Irlanda, fazia-se parshells, ou cruzes de galhos atadas com lã e colocadas acima da entrada de casa.

Já na província de Connacht falava-se em encantos de “fogo, ferro e sal” contra o Puca.

Observava-se a chegada antecipada de figuras ligadas ao inverno, como a Lair Bhan, a “Égua Branca”, semelhante à Mari Lwyd galesa.

Em Gales deixava-se um pedaço de pão à janela em oferta aos espíritos ancestrais.

Na Irlanda como na Grã-Bretanha, os pobres faziam peditórios, e as crianças pediam pão ou bolos específicos “pelas almas”.

O Halloween moderno

Aos poucos espalhou-se pela Grã-Bretanha o costume irlandês da Oiche na h-Aimleise, a “Noite das Travessuras”, em que os jovens rapazes saíam à rua cobertos de fuligem ou disfarçados de entidades medonhas, para pregar partidas e causar danos sem consequências.

Mas a versão moderna desta prática, trick-or-treating, surgiu com o peso dos imigrantes irlandeses na paisagem cultural dos Estados Unidos, e depois, claro está, com a influência norte-americana no resto do mundo ocidental.

As lanternas que na Irlanda eram feitas com nabos e rabanetes, para imitarem e afastarem os espíritos, transformaram-se nas Jack-o’-Lanterns feitas de abóbora.

Em Portugal e na Galiza

Se os irlandeses e escoceses observam a chegada da Cailleach, que tem poder sobre o inverno, os pagãos galegos dão as boas-vindas à Cale.

As Jack-o’-Lanterns encontram equivalente nos Calacús e Cocas, que alguns afirmam ser um legado da tradição guerreira celtibera de se guardar as cabeças cortadas dos inimigos como troféus…

O peditório do pão-por-Deus, que hoje sofre a competição desleal do trick-or-treating, ainda sobrevive, tal como outros peditórios semelhantes noutras festas do ano (pedir as janeirinhas, os reizinhos, as maias…)

Nos Açores, ainda há quem prepare ou ofereça os pratos preferidos dos seus familiares falecidos, ou use as suas roupas “pelas suas almas”.

Para reflectir

  • Qual a minha relação com o conceito de ancestralidade?

  • Necessito de fazer as pazes com a ideia da morte, literal e metaforicamente?

  • Que processos de luto necessito de honrar em mim?

  • Mantenho relações justas com quem habita em meu redor — neste e noutros Mundos?

Subscreve a newsletter

Assina para receberes cartas electrónicas ocasionais com reflexões sazonais, diretamente aqui do Bosque.