O que celebrar no solstício de Inverno?
Desde sempre que a Humanidade prestou atenção aos movimentos (aparentes) dos astros. Depois das colheitas e da chegada do frio, o momento em que os dias voltam a ficar mais longos seria certamente muito bem-vindo pelas populações.
Mas primeiro, o sol teria que ficar “imóvel” no céu — daí o termo “solstício”. Uma breve paragem marcada por alguns megalitos bem conhecidos da Antiguidade.
Além de Stonehenge, orientado tanto para o solstício de inverno como para o de verão, destacam-se os megalitos de Newgrange e Knowth, ambos no complexo de Brú na Bóinne (“a mansão da deusa Boann”) na Irlanda.
Diz a mitologia que Newgrange terá sido construído pelo Dagda — o mesmo deus capaz de fazer parar o sol durante nove meses para disfarçar a gravidez de Boann, de quem fora amante ilegítimo…
Na Antiguidade
As fontes dos territórios no contínuo cultural celta pouco nos dizem acerca de possíveis costumes e festividades antigos associados ao inverno antes da cristianização.
(E mesmo na Inglaterra anglo-saxã, a ideia de uma suposta Modranicht ou “Noite-Mãe” por altura do solstício só é corroborada por São Beda… no século VIII.)
O rito do corte do visco que Plínio, o Velho, descreveu no século I entrou no imaginário e nas liturgias de inverno das nossas comunidades modernas, mas nada nos indica que se tratasse de um rito exclusivo do inverno.
Segundo o autor romano, ao sexto dia do ciclo lunar, os Druidas da Gália colhiam o visco que tivesse crescido nos ramos de um carvalho usando uma foice dourada. O visco era considerado uma planta eficaz contra todo o tipo de venenos, e o facto de o visco raramente crescer em carvalhos só o tornava ainda mais especial.
A festa do Sol Invicto
A associação do Natal ao dia 25 de dezembro deve-se à existência de uma festa dedicada ao nascimento do deus Sol no Império Romano tardio. Dia 25, claro está, era a data do solstício de inverno no calendário de Roma. Mas esta nem terá sido a maior das celebrações nesta altura do ano — e pensa-se que terá sido inclusive importada da antiga Síria.
Eram muito mais efusivas as festividades da Saturnália em meados de dezembro. Uma altura em que se brincava com a noção da liminaridade e se invertiam os papéis sociais: em algumas moradias, era o dono da casa quem servia aos escravos, sentados à cabeça da mesa.
Do mesmo modo, depois da transição do Ano Novo para as Calendas de Janeiro, a passagem de ano era já motivo de festa — com trocas de presentes, divinação e manifestações de alegria, para convidar a felicidade a ficar também no resto do ano.
Natal: uma festa pagã?
A celebração do nascimento de Cristo não era prática unânime nos primeiros séculos do Cristianismo, e só se estabeleceu no dia 25 de dezembro no século IV, seguindo o hábito popular, que como vimos já celebrava o Sol. Além disso, os paralelos que muitas vezes se estabelecem entre Jesus e divindades como Dionísio ou Baco são largamente exagerados ou mesmo falsos.
É portanto errado dizer-se que o Natal foi “roubado” aos pagãos. Muitos dos costumes desta época inclusive permaneceram à revelia do clero, como as folias e práticas mágicas em torno do Ano Novo.
Outros, como a decoração da árvore de Natal, surgiram já séculos após a cristianização. A primeira árvore de Natal é uma invenção alemã do século XV, criada para imitar a Árvore do Conhecimento do paraíso bíblico — pois para a Igreja a véspera de Natal é também a festa em honra de Adão e Eva.
A Cailleach e o Yule Log
O que parece preceder a invenção do Natal, pelo menos em latitudes mais a norte, é o hábito de trazer para dentro de casa folhagens e ramos de árvore, porventura para ajudar a passar os dias até ao regresso da luz.
É o caso da Escócia, com a sua Cailleach Nollich, a “Velha de Natal”. Trata-se de um tronco de madeira onde se desenhava o rosto de uma idosa e que depois se trazia para queimar na lareira durante os doze dias das festas natalícias.
Como é sabido, a Cailleach é para o folclore escocês a figura que reina sobre o inverno, aprisionando a deusa Bríde nas suas montanhas todos os anos, desde a chegada do outono, até que regresse a primavera.
Este hábito encontra paralelos no chamado Yule Log ou “tronco de Yule” da tradição anglófona.
Doze dias de Festas
À medida que o Natal se foi estabelecendo nos costumes e no calendário, acompanhado pela persistência da popularidade das folias de Ano Novo, desenvolveu-se a noção de que esta é uma espécie de “tempo fora do tempo”; não só uma ou duas noites festivas mas doze dias inteiros de festas, geralmente contados desde o Natal até à festa litúrgica da Epifania, vulgo “Dia de Reis”.
Certas tradições ligadas à passagem do ano alargaram-se a todo o período natalício, como a Mari Lwyd, uma figura feérica com crânio de cavalo que faz pedidos de porta em porta nas localidades do País de Gales.
Na Irlanda, o dia 26 é dedicado à “caça da carriça”, pássaro conhecido por cantar todo o ano, até no inverno.
Os doze dias de Natal terminam com o chamado “Natal Menor”, ou “das Mulheres”, que depois de tantas semanas de divisão desigual de tarefas no lar têm por fim um momento para descansar e fazer a sua própria festa.
Cantigas e folias
Tradições como a Mari Lwyd galesa ou o “mumming and guising” dos ingleses, que se disfarçavam de diversas personagens para fornecer algum entretenimento aos mais ricos em troca de comida e bebida, encontra um equivalente moderno nos coros ambulantes de cânticos de Natal, tanto fora como dentro de portas.
Em Portugal, é tradição popular cantar de porta em porta por vários motivos em várias festividades do ano.
Nomeadamente os cantares às Janeiras ou aos Reis, ou, no caso dos Açores — onde a época natalícia pode prolongar-se até fevereiro — os cantares “às estrelas”, na festa da Candelária.
Nos Açores, aliás, as visitas a familiares e amigos durante os doze dias de Natal são tradicionalmente precedidas por uma frase peculiar e ligeiramente heterodoxa, repetida pelos foliões sempre que se abre uma porta: “O Menino mija?”; isto é, há aqui algo que se beba?
Alban Arthan
Certos grupos druídicos do ramo revivalista de origem galesa atribuem a esta época o nome criado por lolo Morganwg: Alban Arthan, isto é, a Luz do Árctico, lugar do Urso. Ou não fosse a nossa estrela polar parte da constelação da Ursa Menor.
O nome evoca também a figura do rei Artur, símbolo da idade de ouro mítica da Grã-Bretanha, e por extensão, um dos seus companheiros: Mabon, a “criança divina”.
Esta figura é apresentada como sinal do próprio Sol, que renasce no solstício como a mais ínfima e frágil das luzes, fragmentada porém invicta como o nosso Ser profundo.
Tal como o Urso, somos convidades a celebrar os poderes férteis da escuridão, do repouso, da fermentação. Tal como o visco que cai, derramando-se leitoso sobre a terra, o solstício recorda-nos que a Ideia se revela no seu maior esplendor quando abraça firmemente a Matéria.
Para reflectir
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No meio dos muitos brilhos e ruídos desta época, como sentes a tua verdadeira Luz?
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Reservas tempo para o não-tempo, para a escuridão, para a espera, para o não-saber?
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Tens espaço à mesa para a partilha e para a solidariedade… o ano todo?
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Em vez de fazeres promessas de Ano Novo para mudares quem és, como pretendes honrar a magia que já possuis?
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Hoje como sempre… Qual é a pressa?