E pela vossa proteção, a força…

É-me difícil escrever sobre a ideia da força sem sentir de forma instintiva um certo aperto no coração, um nó no estômago. Pergunto-lhe o que tem para me dizer, e em resposta traz-me memórias de promessas quebradas, traumas infligidos, doutrinas religiosas que elogiam a dor e o sofrimento como caminhos de salvação.

A ideia de que o sofrimento não é apenas inevitável, mas também desejável permeia a nossa cultura de inúmeras formas, algumas delas bastante perversas. Daí que achemos normal o uso de correctivos corporais na educação das crianças. Daí que não se questione os falhanços do complexo jurídico-prisional. Daí a institucionalização da violência como forma de entretenimento. Daí que seja possível assistirmos a genocídios ao vivo e em alta definição nos nossos ecrãs sem pestanejar. Desde que nos convençamos que alguém precisa de “aprender a lição”.

Não é por acaso que a moral reinante diz ser mais escandaloso amar em público do que matar publicamente.

Certos sistemas legais antigos como as leis de Bréhon, mesmo com as limitações próprias de uma sociedade altamente hierárquica, dão-nos pistas para ousarmos sonhar uma justiça que restaura em vez de punir.

“Sem Paz nenhuma obra pode ser feita”. A proteção da comunidade, o aconchego que emerge da interdependência de todos os seres, um corpo que não se encontra constantemente em modo de luta ou fuga, são bases fundamentais e inegociáveis. A Paz assim entendida não é o fim, mas o princípio.

A descoberta de vias alternativas à dor como método devolve o sofrimento à sua condição justa e honrosa. Não é que a dor tenha sentido em si mesma. Não é que a dor de uns sirva de expiação da alma dos demais. Somos nós, reflexos e expressões de todas as potencialidades da teia de Indra, que possuímos o poder de derivar sentido da dor. A palavra galesa “Nerth”, aqui traduzida como “força”, tem também o significado de “poder”. A qualidade que aqui se pede é o poder de afirmar a nossa existência plenamente encarnada com todas as suas dualidades. É por isso que nalgumas correntes druídicas os votos de iniciação incluam um compromisso pleno com todo o prazer, toda a dor.

Um Arcano XI que tem tanto de Força como de Luxúria.

Ao participarmos nos poderes da Natureza, fazemos as pazes (reaprendemos, reenquadramos, reabilitamos) o justo lugar do conflito. Criamos espaço na nossa narrativa tanto para a luta d’A Morrígan como para o luto de Brigid. Passamos a respeitar a força de Tailtiu que doa o seu corpo pela terra e pela comunidade. A força de uma terra capaz de servir de casa para humanos e deuses.

No cerne destes Mistérios reside a diferença entre a força bruta e o poder de quem, em guerra ou na paz, encara todos os seres como Pessoas. O poder de um corpo liberto. A força da solidariedade.

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