O druidismo é uma religião antiga?

A resposta curta é não.

Os druidas da Antiguidade eram membros de uma classe sacerdotal, com funções diversas ligadas à diplomacia, ao direito, à literatura oral, à medicina, etc., que supomos ter aparecido de formas mais ou menos semelhantes nas várias sociedades que falavam línguas celtas. Eles asseguravam a manutenção das práticas religiosas, mágicas e culturais das suas sociedades.

O conceito de “povos celtas” é, aliás, uma abstração moderna que os antigos não reconheceriam. Cada um desses povos tinha (e tem ainda!) a sua própria identidade, e alguns dos aspectos em comum aparecem também noutros territórios indo-europeus. É sobretudo o facto de falarem línguas de uma mesma família que nos leva a agrupá-los desta forma.

E da mesma forma que um padre católico não pratica “sacerdotalismo” mas sim catolicismo, os antigos druidas não praticavam “druidismo” mas sim as tradições dos seus respectivos povos.

Aquilo a que nós chamamos “druidismo” é uma tradição espiritual com cerca de 300 anos, surgida no contexto do Romantismo no Reino Unido, quando o advento da Revolução Industrial, o êxodo rural, as constantes guerras entre católicos e protestantes e a opressão de Londres sobre outras línguas que não o inglês criaram um certo vazio identitário — e a figura dos antigos druidas, sobre os quais pouco ou nada se sabia, foi ideal para preencher esse vazio.

Um misto de nostalgia, fascínio pela natureza, universalismo religioso e instinto de sobrevivência cultural.

Nesta vaga inicial, muitos grupos druídicos seguiram o modelo das lojas maçónicas e de outras fraternidades. Surgiram também “gorseddau” dedicados à preservação das línguas e culturas dos territórios celtas, primeiro em Gales, com lolo Morganwg, e mais tarde na Bretanha (França) e na Cornualha.

Os grupos druídicos com maior expressão nos nossos dias surgiram já no âmbito do movimento neopagão, em meados do século XX, com novas vagas reconstrucionistas a partir dos anos 80, quando a qualidade das fontes históricas ao nosso dispor já tinha começado a melhorar significativamente.

Certos grupos de cariz revivalista ou eclético consideram que as religiões do mundo, apesar de distintas e válidas em si mesmas, transmitem uma mesma fonte comum de sabedoria: uma “Tradição Primordial”.

Por isso, produzem efeitos semelhantes na vida de quem consegue detectar a essência por detrás das crenças: a união com o Ser, os deuses, o divino, a natureza, etc.

Nessa perspectiva, estes grupos (abertos a todos os crentes) situam o druidismo moderno como um dos muitos tributários dessa corrente que nos acompanha desde o começo dos tempos - neste caso, filtrada através das culturas de línguas celtas.

Já o reconstrucionismo pretende restabelecer as antigas práticas politeístas que terão existido no contínuo cultural celta, recuperando tradições locais, ritos, elementos arqueológicos e outros dados fornecidos pela História.

Também este movimento entende que a sua prática não é exactamente “antiga”, porque temos 2000 anos de cristianismo pelo meio, mas pretende pelo menos ser autêntica - uma prática religiosa reconhecidamente gaélica, galesa, gaulesa ou de outra raiz cultural, porém adaptada aos tempos presentes.

O druidismo moderno pode ser (relativamente) “novo”, mas não é menos legítimo que as religiões e filosofias já estabelecidas.

É verdade que o neopaganismo tem um histórico de falta de rigor na interpretação das suas fontes. Também há que ter em conta os vieses colonialistas presentes, não só no paganismo atual, mas também no mundo académico.

Cabe-nos a nós ter atenção, cruzar informações, questionar pressupostos. Assim poderemos desenvolver as nossas tradições druídicas, eclécticas ou reconstrucionistas, de uma forma genuína, respeitosa e inspirada, em sintonia com os nossos tempos.

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