Primeiro, sê um bom animal

Primeiro, sê um bom animal.
— Ralph Waldo Emerson

Muitas das maiores fontes de inspiração neste caminho têm-me chegado de fontes inesperadas. A frase que partilho hoje apareceu bastante cedo na minha jornada druídica e até hoje é algo a que retorno sempre que preciso de redefinir as minhas prioridades.

Falamos muito da necessidade de explorar as nossas relações com a ancestralidade e com a natureza em nosso redor. Mas o facto é que a nossa paisagem interior e os vários mecanismos que mantêm o nosso corpo em funcionamento nos precedem e têm milénios de história e histórias acumuladas. Que é que a natureza vivente em nós terá para nos ensinar?

Apesar do que a cultura pop e a positividade tóxica nos poderão dizer, não evoluímos para “ser felizes” mas para sobreviver — colectivamente. As feridas que acumulámos no processo, as nossas dores e aquelas que nos foram passadas pela ancestralidade, todas elas emergiram como a melhor resposta que tínhamos ao nosso dispor no momento para lidar com as circunstâncias. Elas podem não ser as melhores e podem não nos servir, mas demonstram a forma como o corpo cuidou de nós para que pelo menos sobrevivêssemos para contar a história.

Muitas vezes, quando se discute a noção de um “regresso ao natural”, acabamos por impor à natureza — lá fora e cá dentro — princípios que não lhe pertencem, como fantasias de superioridade, competitividade e autoritarismo. Estamos familiarizados com a pirâmide de necessidades de Maslow, onde a satisfação das necessidades do corpo está ao serviço de uma cadeia de objectivos que culmina na “auto-realização”.

Só que esses pressupostos não contam a história toda nem são tão universais quanto nós (nem Emerson) julgamos. O próprio Maslow baseou a sua teoria numa ideia deturpada da sabedoria indígena das nações da Confederação Blackfoot, da América do Norte. Para estas, não é a realização individual o grande objectivo, mas sim um ciclo contínuo em que a auto-actualização, a realização da comunidade e a perpetuação dos seus laços culturais se alimentam mutuamente.

“Ser um bom animal” implica escutar a sabedoria guardada no corpo: o corpo pessoal e o corpo composto pela comunidade — os seres de que dependemos para viver… o que num sentido lato envolve todas as existências neste e noutros mundos, e os próprios espíritos do tempo e do lugar.

Talvez aquilo que o vosso corpo vos peça neste momento seja simplesmente… um pouco de descanso.

Também isso, o saber viver com raízes neste corpo e neste mundo, é praticar druidismo.

Subscreve a newsletter

Assina para receberes cartas electrónicas ocasionais com reflexões sazonais, diretamente aqui do Bosque.