Três coisas que fazem um harpista…

Três coisas que fazem um harpista:
música para fazer chorar,
música para fazer rir,
música para adormecer.

— Tríade medieval irlandesa

As tríades que nos chegaram da Irlanda medieval cobrem um vasto conjunto de temas, como o direito, a natureza, a geografia ou os costumes (ao contrário, por exemplo, das tríades galesas, que tendem a focar-se sobretudo na história e nas lendas da Grã-Bretanha). Algumas destas tríades tentam descrever, com mais ou menos humor, a essência de várias profissões — entre elas, claro está, a de harpista.

A arte musical cobre toda a gama de emoções humanas, é certo, mas a forma como esta tríade as descreve faz um paralelo com um dos mitos em torno da deusa Boann — a divindade associada ao rio Boyne e à Fonte de Segais, de que já falámos a propósito de Manannán.

Em “O Ataque ao Gado de Freach”, Boann terá dado à luz a três filhos, cujos nomes são os mesmos das três melodias que saem de Uaithne, a harpa d’O Dagda: um recebe o nome da dor do parto, o segundo recebe o nome da alegria que acompanha cada nascimento e o terceiro tem por nome o descanso que vem depois da dor.

A mitologia gaélica não tem problemas em atribuir aos deuses diversas árvores genealógicas, algumas delas contraditórias. Afinal, cada história é reinventada no momento em que alguém a conta e alguém a escuta — e a diversidade é um dos dons das culturas de oralidade.

Nesta história, que evoca a relação fortuita entre Boann e O Dagda, o nome da harpa Uaithne, uma palavra que geralmente traria consigo o significado de um pilar ou de uma estrutura, passa a ser conotado com o parto, e este com o processo criativo que continuamente traz obras-primas da escuridão, não para as submeter à tirania da produtividade, mas pelo seu próprio bem e para o deleite de toda a Teia cósmica.

Deidades, artistas, praticantes de hoje e de sempre, unides num compromisso com a manutenção da Árvore da Vida que sustém todos os mundos.

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