Você é Druida?

“Você é druida?”

Fui tomado de surpresa pela pergunta. Diga-se de passagem, um acompanhamento pouco provável para o meu pequeno-almoço na pensão naquela manhã. Estava pela primeira vez no Reino Unido, uma viagem com que sonhava desde que era criança. Estava hospedado numa pequena cidade algures no condado de Wiltshire, e o equinócio de Outono estava próximo. O nascer-do-Sol em Stonehenge, claro, era o principal ponto de atracção, e a minha anfitriã parecia curiosa.

“Não é isso que fazem os druidas, ir a Stonehenge para celebrar as estações?”

Eu já havia celebrado várias voltas da Roda do Ano por minha conta e risco. A minha busca espiritual partiu-me o coração várias vezes — não será sempre esse o caso? — e de forma talvez bastante previsível. Em cada tradição religiosa para onde me voltei, fui sempre o Outro, e até ao dia de hoje creio ainda que é melhor não desenterrar os deuses da minha juventude. Mas a Voz manteve-me expectante e sequioso. Mesmo quando a negava, levou-me a contemplar o céu em cada lua cheia, e as minhas muitas feridas e mortes no Samhain. No mundo dos actos, não há liturgia mais completa e acolhedora que a Natureza.

Para mim, no entanto, ser druida era algo para não se tomar em vão, um treino de uma vida reservado apenas aos que o merecem, e uma empreitada incompatível de modo geral com os meus modos urbanos.

Excepto, claro, que uma vida inteira de dedicação ao Espírito, através tanto do estudo como da prática, era exactamente aquilo por que eu ansiava. E nesse sentido, os antigos druidas, ou melhor, as representações algo ficcionadas que fazemos deles, eram o meu arquétipo preferido do herói: os sábios que sabiam no seu íntimo que a sua ligação à Fonte não podia ser cortada; as pontes humanas entre mundos; os tradutores bem versados na língua do Ser, de todos os seres.

Os construtores da paz.

Foi embrenhado nestes pensamentos que decidi visitar as fontes termais em Bath, onde a deusa local dos poços sagrados e a deusa romana de toda a sabedoria costumavam ser cultuadas sob um único aspecto. Ali, junto às águas da Deusa, as memórias da viagem até ali e a expectativa pelo equinócio acumularam-se de forma bastante intensa, e ouvi aquela Voz novamente a falar através de mim, como se com uma oração ao próprio Ventre do Ser. Uma oração não apenas para regressar, mas sobretudo, para encontrar sempre o meu caminho para Casa.

A terra, o poder da terra, tinha proferido o seu nome.

Depois de muita ponderação, decidi juntar-me à Ordem para perceber melhor tudo isto, e por alturas do Samhain seguinte, estava pronto para começar os meus estudos bárdicos. Cedo viria a aprender que muito neste caminho tem a ver com aprender a estar aberto. A viver como se estivesse na véspera da próxima grande revelação, nas palavras de Maurice Maeterlinck. Para deixar entrar tanto a alegria como a mágoa, ambos os lados da sombra, até que tudo seja consumado pelo verdadeiro Ser. Esta sede pelo autêntico, pela escuta da Voz em todas as vozes, tem sido também um trabalho de Silêncio. Um esforço em deixar-me levar. Um curso sobre confiança.

Em mim e através de mim descubro mundos em permanente morte e renascimento; a mesma Deusa que coloca a terra, a água e o céu em chamas pelo fogo alquímico é a mesma que, sem hesitação, retira o joio que tomo por trigo na minha colheita. A Deusa que dá à luz toda a Poesia, jorrando Sabedoria e Amor por seu turno pelas escadarias do Cosmos até gerar cada ser, para que cada um possa continuar a escrever a grande história da Vida.

Se um bardo digno desse nome é alguém que nunca conta uma história a não ser que acredite nela com todas as fibras do seu ser, então o que importa não é por onde começar, mas sim a que profundidade.

O Awen chama a um caminho de compaixão para com os fardos e tropeços que todos partilhamos e causamos uns aos outros, e o nosso desejo latente por beleza, liberdade e amor. É uma questão de arte convidar todas as criaturas dormentes nas noites escuras da alma, as belas como as assustadoras, para uma dança de versos e rimas, com alguns rascunhos ocasionais deixados por acabar. É então que renascemos para uma vida mítica.

Um caminho de vida em que as plantas e os animais desvendam passagens secretas para novos mundos de significado, onde os deuses não só falam em alta voz mas tomam conta dos nossos corpos para tratar de assuntos sagrados. Onde guias benévolos lembram a alma das histórias que substituiu com falsos contos de distracção e ausência. A vida mítica traz com ela um renovado sentido de justiça e beleza capaz de derrubar os tronos da corrupção, aprofundar as raízes da comunidade e remendar corações partidos. E como em todas as coisas, a generosidade começa em Casa.

Saber o meu caminho para Casa começa por ser uma casa segura para mim e para o Universo inteiro. No dizer da antiga tríade, a Natureza, o conhecimento e a verdade são as velas que iluminam toda a escuridão. Hoje todos os três me inspiram para cuidar da minha casa interior, com as ferramentas do jardineiro e do mago, que são na verdade, apenas um guardião da terra.

“— Você é druida?
— Ainda não, mas já.”

Já estou lá de cada vez que consigo deixar de lado as preocupações alheias ao meu verdadeiro Eu e ao bem-estar do Bosque Interior, de cada vez que abraço o Universo através da graça da Poesia, banhando-me na abundância e na dor do Todo. O meu druidismo está na cruz de Brígida que construí, agora dependurada atrás da minha porta de casa, nas flores que plantei esta Primavera, nas minhas notas sobre o Oculto e a língua irlandesa, nos poemas que mais uma vez encontro o impulso para escrever. Está nas minhas palavras desavergonhadas, nos meus gestos renovados de amor, nas camadas que retiro da minha máscara. Em cada fôlego que partilho com o mundo num contínuo cântico de Awen.

Está aqui, no meu amor confirmado pelo Mistério por aquilo que é. Transcendental mas sempre perplexamente íntimo.


Este texto foi publicado em inglês na compilação The Golden Seed, o livro comemorativo do 50.º aniversário da Ordem dos Bardos, Ovates e Druidas.